Entendendo as Antífonas

25º Domingo do Tempo Comum Ano B

Antes de entender o que a Igreja nos propõe com a escolha das antífonas para a Liturgia, é necessário compreender a Liturgia da Palavra, que é a meditação de cada dia. Para tanto, busco através de homilias compreender e fazer um breve resumo. Porém, desta vez, não farei resumo. Fiquei tão impressionada com a homilia do amado Dom Henrique Soares que copiei-a aqui na íntegra. Ele continua sendo um farol para nós aqui nesta terra!

“No domingo passado – deveis recordar – Jesus anunciou aos seus discípulos que ele era um Messias não de glória, mas de humildade e serviço até à morte de cruz. Ao final, triunfaria pela ressurreição. Pedro havia se escandalizado com tais palavras. Hoje, Jesus continua sua pregação. Ele ensinava a sós a seus discípulos: “’O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens e eles o matarão. Mas, três dias após, ele ressuscitará’. Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar”.

Vede, caríssimos, é a mesma atitude da semana passada. O ensinamento do Senhor tem como seu centro o Reino de Deus que viria pela sua cruz e ressurreição. Entrar no Reino é tomar com Jesus a cruz e com ele chegar à glória! Estejamos atentos: este não é apenas mais um dos muitos ensinamentos de Cristo; este é o ensinamento por excelência, a mensagem central que o Senhor veio nos revelar e mostrar com sua palavra, suas atitudes e sua própria vida. Repito: eis o que Jesus ensina: que o caminho do Reino passa pela cruz, passa pela morte e chega à plenitude da vida na ressurreição. Observai que ele ensina isso de modo insistente e prepara particularmente os discípulos para esse caminho… E, no entanto, os discípulos não compreendem a linguagem de Jesus, não compreendem sua missão, seu caminho! Esperavam um messias glorioso, cheio de poder, que resolvesse todos os problemas e reafirmasse orgulhosamente a glória terrena de Israel… Um messias na linha da teologia da prosperidade do Edir Macedo e do RR Soares. Nada mais distante de Cristo que esse tipo de coisa! Observai que, enquanto Jesus caminha adiante ensinando isso, os discípulos, seguindo-o com os pés, próximos fisicamente, estão com o coração muito longe do Senhor. No caminho, vão discutindo sobre quem deles era o maior! Jesus fala da humilhação e do serviço até à cruz; seus discípulos, nós, falamos de quem é o primeiro, o maior… Que perigo, caríssimos, pensarmos que somos cristãos, que seguimos Jesus, e estarmos com o coração bem longe do Mestre amado!

Temos nós essa tentação também? Certamente! A linguagem da cruz continua difícil, dura, inaceitável para nós. É claro que não teoricamente: persignamos-nos com a cruz, beijamos a cruz, trazemo-la pendurada ao pescoço, veneramos a cruz… Mas, o caminho da cruz se faz na vida, não na teoria! Essa cruz de Cristo está presente nas dificuldades, no convite à renúncia de nossa vontade para fazer a vontade do Senhor, na aceitação dos caminhos de Deus, na doença e na morte, nas perdas que a vida nos apresenta, nos momentos de escuridão, de silêncio do coração e de aparente ausência de Deus… Todas essas coisas nos põem à prova, como o justo provado da primeira leitura de hoje. É a vida, são os acontecimentos, são os outros que nos provam: “Armemos ciladas aos justos… Vamos pô-lo à prova para ver sua serenidade e provar a sua paciência; vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro”. Jesus passou por esse caminho, fez essa experiência em total obediência à vontade do Pai. E nos convida a segui-lo no hoje, no aqui da nossa vida. Nossa tentação é a dos primeiros discípulos: um cristianismo fácil, de acordo com a mentalidade do mundo atual; um cristianismo a baixo preço – isso: que não custe o preço da cruz! Se assim for, como estaremos longe de Jesus, como não o conheceremos! Ele nos dirá: “Apartai-vos de mim! Não vos conheço!” (Mt 7,23).

Caros irmãos, ouvindo isso, talvez digamos: mas, como suportar a dureza da cruz? Como amá-la? Não é possível! É que ninguém pode amar a cruz pela própria cruz, caríssimos. Cristo amou sua cruz e a abraçou por amor total e absoluto ao Pai, por fidelidade ao Pai. Nós, também, somente poderemos compreender a linguagem da cruz e somente não nos escandalizaremos com ela se for por um amor apaixonado pelo Senhor Jesus, para segui-lo em seu caminho, para estarmos em união com ele. Eis, portanto: é o amor ao Senhor que torna a cruz aceitável e até desejável! Sem o amor ao Senhor, a cruz é destrutiva, é louca, e desumana! Com Jesus e por causa de Jesus, a cruz é árvore bendita de libertação e de vida. É o amor a Jesus que torna doce o que é amargo nesta vida!

O problema é que precisamos redescobrir a experiência tão bela e doce de amar Jesus. Não se pode ser cristão sem paixão pelo Senhor, sem um amor sincero entranhado para com ele! Como se consegue isso? Estando com ele na oração, aprendendo a contemplá-lo no Evangelho, alimentando durante o dia, dia todo, sua lembrança bendita, procurando a sua graça nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, lutando pacientemente para vencer os vícios e colocar a vida, os sentimentos, os instintos e a vontade em sintonia com a vontade do Senhor Jesus… Sem esses exercícios não há amor, sem amor não há como compreender a linguagem da cruz e sem tomar a cruz com e por Jesus não há a mínima possibilidade de ser cristão! Quando vier a crise, largaremos tudo, trairemos o Senhor e terminaremos por fazer do nosso jeito, salvando a pele e fugiremos covardemente da cruz…

Então – pode ser que perguntemos – por que o Senhor quer nos fazer passar pela cruz? Por que escolheu e determinou um caminho tão difícil? Eis a resposta: porque somos egoístas, imaturos, quebrados interiormente! O pecado nos desfigurou profundamente! São Tiago traça um perfil muito realista e muito feio da nossa realidade: guerras interiores, paixões, disputas, auto-afirmação doentia, desordens e toda espécie de obras más… Quem tiver a coragem de entrar em si mesmo, quem for maduro para se olhar de frente verá em si todas essas tendências. Quantas vontades, quantas guerras interiores! Ora, isso tudo nos fecha para Deus, nos joga na idolatria do ter, do poder, do prazer, da auto-suficiência de pensar que somos deuses… É a cruz do Senhor quem nos purifica, nos corrige e nos liberta de verdade. Não há outro modo, não há outro caminho. Somente sentimentos, risos, cantorias e boa vontade não nos construiriam, não nos colocariam de verdade em comunhão com o Senhor no seu caminho. O mistério do pecado é sério demais, profundo demais para ser tratado com leviandade… “Quem quiser seu meu discípulo tome a sua cruz e siga-me” – diz o Senhor!

Caríssimos, tenhamos coragem! Na docilidade ao Espírito Santo que o Senhor nos concedeu, teremos tal união com o Senhor Jesus, que tudo poderemos e suportaremos. Foi esse o caminho dos santos de Deus de todos os tempos; é esse o caminho que agora nos cabe caminhar… Que o Senhor no-lo conceda por sua graça, ele que é Deus com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa

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Antífona de Entrada

Original em Latim: “Salus populi ego sum dicit dominus de quacumque tribulatione clamaverint ad me exaudiam eos et ero illorum dominus in perpetuum.” (Cf. Ps. 36, 39. 40. 28; Ps. 77)

Vernáculo: (Salmo 36) Eu sou a salvação do povo, diz o Senhor. Se clamar por mim em qualquer provação, Eu o ouvirei e serei seu Deus para sempre. Verso Salmo 77: 1 Escuta, ó meu povo, a minha Lei, * ouve atento as palavras que eu te digo; 2 abrirei a minha boca em parábolas, * os mistérios do passado lembrarei.

O tema deste salmo é o sentido da vida e a busca pela felicidade. Os versículos utilizados na antífona é um texto “autoral”, de composição eclesiástica, que encontra apoio e inspiração nos versículos finais do salmo 36, que surgiu da experiência de uma pessoa idosa. Na terra da promessa, que devia ser partilhada, a ganância tomou conta de muitos que usavam da violência para seu próprio lucro. Deus toma parte deste povo injustiçado e não os abandona, mesmo na provação.

Muitos buscam a felicidade nos bens, o sentido da vida, em coisas que perecem.  O Senhor nos mostra com o final do salmo 36 que Ele não abandona os seus justos. Abracemos a tribulação deste mundo, confiantes de que Deus está ao nosso lado. Se Ele não poupou nem o seu Unigênito Filho, sem pecado, o que fará de nós?

O salmo 36 mostra-nos o caminho da felicidade, o sentido da vida, que está na prática da justiça e temor de Deus, na busca pela santidade. Pois em meio às tribulações desta vida Deus não nos abandona. Mesmo que pareça castigar-nos, mesmo que pareça ausente de nossa vida, no momento em que estamos como que no inverno como árvores sem folhas ou frutos, o Senhor aparece, como sol da justiça, e nEle apoiados, daremos frutos.

O salmo 77 que acompanha a antífona de entrada é um salmo didático, utiliza a história de Israel para ensinar às futuras gerações. Através das lições do passado, da obediência ou rebeldia do povo, nele se podia aprender lições importantes sobre o serviço a Deus. Este salmo junto à antífona nos direciona à obediência a Lei, que veremos reforçada na antífona de comunhão.

Cantamos estes textos no canto de entrada recordando nossa caminhada rumo à santidade, em meio às tribulações e aridez espiritual, nossa cruz do dia a dia. Não estamos sozinhos! Deus nos acompanha nesta caminhada, nesta procissão de entrada. NEle esperamos, é Ele quem nos salva. Junto com o sacerdote caminhamos para prefiguração da Jerusalém Celeste, ofereçamos o sacrifício em um só Corpo.

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Salmo Responsorial: Salmo 53

Res.: É o Senhor quem sustenta a minha vida!

O contexto do salmo está no seu título: “Para o fim. Entre os hinos de inteligência. De Davi. Quando os Zifeus vieram dizer a Saul: Não está Davi escondido entre nós?”. Saul perseguia Davi. Saul é a figura do reinado temporal, que não se relaciona com a vida e sim com a morte. Davi, é figura de Cristo, do corpo de Crisro. Zifeus era o povo de uma aldeia chamada Zif, aonde Davi escondera-se quando Saul o perseguia para tirar sua vida. Este povo com disposição maligna traiu Davi, mesmo assim Saul não conseguiu o apanhar. E em uma gruta nesta região, Davi tendo a oporunidade de matar Saul, poupou-o. Vejamos então o que este salmo tem a nos dizer.

Os Zifeus são inimigos de Deus e prosperam neste mundo. Os filhos da luz são fracos e dão muita importância a este povo. Possuem os pés vacilantes olhando a felicidade de que gozam tal povo. Dizem: que vantagem tem servir a Deus, observar seus mandamentos, não oprimir os outros, de ninguém roubar, não prejudicar a ninguém, ajudar no que posso? Eis que fazem tudo isso e olham para os que prosperam e não fazem. Os olhos dos filhos da luz não podem estar fixos aqui neste mundo. Pois estes, como os zifeus, prosperam aqui, mas murcharão no juízo. “Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36).

“É o Senhor quem sustenta a minha vida”, ou seja, “o Senhor toma a defesa de minha alma”. O Senhor vem em nosso auxílio! Cantamos na Antífona de Entrada que o Senhor é a nossa salvação e que clamando sua ajuda ele vem e nos auxilia! O salmo responsorial confirma e responde à primeira leitura que traz as ciladas que o mundo nos prepara, a cruz que nos aparece.

Todos os santos são auxiliados por Deus, mas isso acontece em seu íntimo aonde ninguém penetra. Somente com uma profunda intimidade com Deus, na busca de uma vida de santidade podemos degustar este auxílio. Para os insensatos, sua vida é sustentada por si mesmo. Vem a tribulação e não suportam, pois não confiam no Senhor, mas em suas próprias forças.

O salmo é uma realidade, algo presente na vida do cristão. Mas a compreensão só pode ser entendida de dentro da alma. Cantando este salmo nesta liturgia, ergamos os nossos corações, elevemos ao alto, para que nossa inteligência possa ver e aprender a amar gratuitamente a Deus, desprezando as coisas presentes, tomando nossas dores e sofrimento que nos assolam perante um mundo desigual, para sacrificarmos espontaneamente nossas vidas, um sacrifício de louvor, oferecendo a Deus tudo isso, em meio a confusão dos inimigos, estejamos certos da salvação que vem de Deus.

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Antífona de Ofertório

Texto original: “Si ambulavero in medio tribulationis vivificabis me domine et super iram inimicorum meorum extendes manum tuam et salvum me fecit dextera tua.”  (Salmo 137,7)

Vernáculo: Se eu andar no meio da tribulação, Tu me conservarás a vida; Contra a ira dos meus inimigos estenderás a tua mão, e a tua mão direita me salvará.

É um salmo de ação de graças individual. Uma pessoa, que passou por maus momentos, agradece por ter sido atendida. É Deus quem salva a pessoa que O invoca, que confia mesmo no meio da tribulação. Porém, o soberbo desconhece a tribulação. O coração soberbo, que acha que não precisa de Deus, é aquele que está apegado aos bens deste mundo pois quem ama a outra vida, enxerga esta vida como tribulação.

Por mais alegre que esteja a nossa vida, por mais prósperos que estejam os nossos negócios, por mais que abundem as delícias ao nosso redor, esta pode ser a nossa tribulação, a nossa perdição. Dispersos com os bens deste mundo estamos muito mais propensos ao pecado do que quando preocupados com as tormentas, quando a oração geralmente se torna mais fervente. Como se diz: “ou procuramos a Deus pela dor, ou procuramos pelo amor”, melhro que seja no amor.

O mundo de hoje nos oferece muitos meios para nossa distração e prazer, portanto, mais do que uma doença, um sofrimento, o bem-estar pode ser uma tribulação ainda pior. Explico: a prosperidade tem uma forte de tendência a deixarmos Deus de lado, ir menos à Igreja, rezar menos, pois não vemos necessidade, já que está tudo bem. Porém, chega a tribulação e não temos “cabeça” para rezar. Pois prepara-te, ninguém está livre da cruz, cedo ou tarde ela chega e é melhor que nos momentos de prosperidade estaejamos firmes nas nossas orações e na comunhão com o Senhor, pedindo por nós e por aqules que passam por uma cruz e que não conseguem rezar.

Cantamos esta antífona na apresentação dos dons, oferecendo a Deus nossa vida, nossas tribulações, certos de que as boas obras vem de Deus. Oferecemos os bens, a graça de recebê-los e poder administrá-los. Tudo que vem de graça a nós, pelas mãos de Deus e será imolado para o nosso bem e da Santa Igreja.

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Antífona de Comunhão

Texto original: “Tu mandasti mandata tua custodiri nimis utinam dirigantur viae meae ad custodiendas justificationes tuas” (Salmo 118,4.5)

Vernáculo: Vós ordenastes vossos preceitos Para que sejam exatamente cumpridos. Que meus caminhos sejam orientados Para a guarda dos vossos justos decretos.

O salmo 118 é o da fidelidade à lei. O trecho retirado para a antífona de comunhão faz parte dos versos que falam sobre a felicidade. A Lei é o único critério de sabedoria. O texto expressa o pedido do salmista para o cumprimento da lei, sabendo que a força para isso não é somente dele, mas de Deus.

O salmista quer cumprir os mandamentos de Deus, exatamente como ordenados. Não quer ser apenas um ouvinte, mas quer praticá-los. Não adianta apenas conhecer o que é justo perante Deus é preciso buscar a prática da Lei. De que adianta ter aprendido a lei, se com o coração perverso trilhar o caminho da maldade?

Observar as leis de Deus e praticá-las é o que pedimos ao comungar o Corpo e Sangue de Nosso Senhor, pois ninguém mais do que Ele foi tão obediente às escrituras. É esforço mútuo praticarmos a justiça, primeiro, nós que lutamos contra os desejos deste mundo que a todo instante querem nos dominar; e em segundo, sabermos que não conseguiremos sozinhos e precisamos da graça de Deus operando em nossas vidas.

A graça para bem cumprir com os mandamentos de Deus, a graça de sermos justos e desapegados aos bens deste mundo, nós encontramos no Sacramento da Eucaristia que alimenta a nossa alma e nos fortifica para andar no meio das tribulações. Eis a graça santificante que tanto nos encaminha rumo ao céu.

O Senhor nos ordena seus mandamentos pois sabe que com as nossas próprias forças não somos capazes de identificar o que realmente pode ajudar a endireitarn ossa vida. É guardando a Palavra de Deus, os seus ensinamentos, que podemos nos meio das tribulações poder utiliza-los.

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Com a antífona de entrada estamos confiantes de que Deus nos dá a salvação quando deixamos tudo para traz, tudo que é do mundo e que passa, para seguirmos seus ensinamentos…

Cantamos a resposta da 1ª leitura cantamos a certeza de quem sustenta nossa alma.

No ofertório a antifona nos recorda que a cruz da tribulação é oferta agradável a Deus…

E na comunhão enxergamos que é na obediência às leis de Deus que somos capazes de suportar a cruz, pois sozinhos não somos nada.

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REFERÊNCIAS

Texto escrito por Marcela Buback

SANTO AGOSTINHO DE HIPONA. Comentário aos salmos. Paulus, São Paulo – SP, 2008.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 8ª impressão, 2012.

JOSÉ BORTONLINI. Conhecer e rezar os salmos. Comentário popular para nossos dias. 1ª edição. Editora Paulus, 624p.