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A Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

“Dai-lhes o descanso eterno”

Falar sobre essa Liturgia pode ser a chave de leitura para entender qualquer outra, pois o entedimento de uma meditação litúrgica ajuda a bem participar e melhor escolher as músicas para cada celebração.

É uma difuldade comum das pessoas em entender o sentido litúrgico de cada Santa Missa. O maior e mais importante nós já temos: o Santo Sacrifício, morte e ressurreição de Nosso Senhor. Porém, a cada Missa é proposto uma liturgia específica que contém uma meditação que envolve toda a Liturgia da Palavra, bem como as orações e os textos litúrgicos propostos para serem cantados.

Para a comemoração dos Fiéis Defuntos o foco é nos falecidos, isso é óbvio, porém não tão fácil de ser compreendido, pois geralmente vamos à Santa Missa e comungamos para nós mesmos, o que neste dia, em especial, contém outro foco. Mas antes de adentrar nesse sentido mais profundo vamos conhecer um pouco mais sobre essa liturgia do dia 2 de novembro.

O Martirológio anuncia, em primeiro lugar: “Fazemos hoje a comemoração de todos os Fiéis Defuntos. A Igreja, nossa Mãe comum, após ter cuidadosamente celebrado com dignos louvores todos os seus Filhos que já gozam da felicidade celeste (todos os santos, 1º de novembro), quer, também socorrer todas as almas que ainda padecem no lugar de purificação, intercedendo por elas, com todo o seu poder, junto a Deus e a seu Esposo, o Cristo, para que elas se reúnam, o mais depressa possível à Comunidade dos cidadãos do céu.”

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Histórico

A instituição de um dia comemorativo de todos os Fiéis Defuntos ainda no purgatório, remonta ao piedoso e santo Odilon, Abade de Cluny (falecido em 1048) que decretou, em 998, que em todos os Mosteiros da Ordem de São Bento, fosse celebrado, depois das Vésperas de 1º de novembro, o Ofício dos mortos. Este costume foi imitado e afinal adotado pela Igreja Universal. Após o Concílio Vaticano II, infelizmente o Ofício das Benditas Almas do Purgatório caiu em desuso, mas ainda hoje conservado por alguns devotos. O Papa Pio X deu ao dia dos mortos o nome de “Grande Festa das Pobres Almas” e cada sacerdote pode celebrar três Missas neste dia.

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A Missa
Canto de Entrada e Oração da Coleta

A Missa de todos os Fiéis defuntos (Requiem aeternam) contém como as outras Missas dos Mortos, dois elementos exprimindo diferentes espécies de sentimentos e pensamentos. O primeiro elemento, o mais antigo, ascendendo à antiguidade cristã, exprime sentimentos alegres e expõe a consoladora mensagem da ressurreição da carne. É a ele que pertence o Introito com o alegre salmo da colheita. A Igreja pensa na colheita das almas; é útil dizer todo o salmo para compreender a sua aplicação.

Antífona de Entrada (Introito): Requiem aetérnam dona eis Dómine: et lux perpétua lúceat eis.

Dai-lhes, Senhor, o repouso eterno e brilhe para eles a vossa luz.” Que acompanha do salmo 64.

O salmo 64 remonta aquele momento histórico em que o povo estava no exílio da Babilônia, no cativeiro, esperando pela profecia de libertação após os 70 anos, como anunciado pelo profeta Jeremias. Passados os 70 anos o templo que fora destruido foi restaurado e grande parte do povo saiu do cativeiro. A Jerusalém celeste é o que anseia as almas cativas no purgatório (exílio). A súplica deste salmo é que essas santas almas possam ser o quanto antes resgatadas, purificadas (tenham seu templo restaurado) e possam contemplar a felicidade eterna.

Nas opções de Oração da Coleta todas irão se direcionar pedindo pelas santas almas que padecem. Direcionando o real sentido da Missa. Nossas atenções, preces, súplicas, estão todas direcionadas em sufrágio das almas. Na primeira opção: “se fortaleça a nossa esperança na futura ressurreição de vossos servos e servas”, pedido pela ressurreição das almas; a segunda opção: “concedei benigno aos nossos irmãos e irmãs defuntos que, tendo acreditado no mistério da nossa ressurreição, mereçam alcançar as alegrias da bem-aventurança eterna…”; e a terceira opção: “concedei aos vossos fiéis defuntos que, libertos desta vida mortal, possam contemplar-vos para sempre como seu criador e redentor”.

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Liturgia da Palavra

As leituras expressam a esperança no céu! A esperança daqueles que sofreram aqui neste mundo mas que esperam pela paz e o descanso eternos. São alegres revelações da gloriosa ressurreição dos mortos. Os salmos cantam e reforçam nossa sede de Deus, assim como anseiam pela face de Deus as almas no purgatório em meio ao fogo purificador. As leituras explicam a espera, o padecimento que se converterá em glória.

Esperamos a ressurreição da carne: a carne ressuscitará, porém não o corpo corruptível, mas um corpo glorificado que será reunido à alma. As opções de Evangeho explicam a segunda vinda de Jesus, Aquele que ressuscita de uma dupla morte: sobre a terra, Ele ressuscita os homens à vida da glória. Também aqui pertence o belo Prefácio dos mortos (que embora de origem mais recente se inspira na antiga liturgia mosarábica). Esses curtos versículos de beleza inimitável: “No Cristo brilhou para nós a estrela da esperança, na feliz ressurreição… a vossos fiéis, Senhor, a vida não é tirada, mas apenas renovada, quando esse asilo de sua peregrinação cair em ruínas, a eterna habitação lhe será concedida no céu.”

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Liturgia Eucarística

O segundo elemento da Missa dos mortos, fruto da espiritualidade da Idade Média mais consciente da culpa, não é tão alegre nem tão triunfante, porém, cheio de solicitude pelas almas, implora sua libertação. Estes textos descrevem a morte e o juízo em cores sombrias. Antes do Concílio Vaticano II, manifestavam-se estes sentimentos principalmente na Sequência (Dies Irae) que é uma poética descrição do juízo final.

O belo cântico do Ofertório nos mostra um pedido ao Arcanjo São Miguel o guia das almas, que, fechando com seu estandarte as portas do inferno, as conduza para o esplendor da Divina Luz. Esse cântico se inspira na concepção que tinha a antiguidade pagã, sobre a condução das almas. A súplica duas vezes repetida, pedindo que “as almas não caiam no esquecimento”, lembra também a concepção pagã (da torrente do esquecimento). A fé na ressurreição da carne e a oração cheia de solicitude pela libertação dos caros defuntos “dos laços da morte desse lago profundo” é o que conduz o início da Liturgia Eucarística.

Antífona de ofertório: “Senhor Jesus Cristo, Rei da Glória, Livrai as almas de todos os fieis defuntos Dos laços da morte e desse lago profundo” acompanhada do salmo 129.

O Salmo 129 que acompanha esta antífona inicia “das profundezas, Senhor, clamo a ti”… que profundezas são essas? As almas no purgatório bem sabem quais são: lá aonde se despreza a Deus. Obviamente elas não desprezam a Deus, anseiam por Ele, mas o desprezamos quando cometemos pecados. Isso é evidente para as almas no Puegatório, porém, para nós é muitas vezes mascarado pelos prazeres da vida.

Jesus Cristo que não despreza nossas profundezas vem até nós pela Eucaristia. Ele quer que clamemos de nossas profundezas. É por Ele que chega até Deus o nosso clamor. É em Jesus que está a nossa esperança pois Ele, é Ele o sacrifício.

Assim também como o salmo mostra que assim como o Senhor Jesus teve uma vigília para a sua ressureeição carne, também nós teremos. Não deixemos de clamar de nossas profundezas, nEle está a nossa esprança e copiosa redenção.

A antífona de comunhão fecha com nossas súplicas a Jesus, Verdadeiro e presente na Hóstia Consagrada:

Em latim: Lux aetérna lúceat eis, Dómine, cum sanctis tuis in aetérnum: quia pius es.

Senhor, que a luz eterna os ilumine Com os teus santos pela eternidade, Pois és piedoso Dai-lhes, Senhor, o repouso eterno e que a luz perpétua os ilumine Com os teus santos pela eternidade, Pois és piedoso. (com o salmo 22 ou 129 ou 120)

A oração de pós comunhão fecha o contexto inteiro e objetivo da Santa Missa aos fiéis defuntos:

“Concedei, Senhor, nós vos pedimos, que os vossos fiéis defuntos, pelos quais celebramos este sacramento pascal, cheguem à vossa morada de luz e de paz. Por Cristo, nosso Senhor.”

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Referências:

Pius Parsch – Testemunhas do Cristo – 1941

Site do Pocket Terço disponível em https://pocketterco.com.br/liturgia