24º Domingo do Tempo Comum Ano B
Sobre a Liturgia (contexto da Liturgia da Palavra)
“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”!
Para mergulhar na liturgia e nas antífonas deste 24º domingo vamos explorar rapidamente a liturgia da Palavra que a Igreja nos propõe.
Inseridos neste mundo, e seguindo as nossas paixões, nossos desejos, não é fácil imaginar a cruz. A realidade do Calvário é algo distante da realidade de muitos de nós. No domingo passado refletíamos sobre o pleno cumprimento da lei. Deus, o justo juiz, para nos salvar, faz cair sobre nós dias bons e dias maus, a diferença do cristão católico é que “tudo é graça”; é saber louvar na dor e na alegria. É Jesus que nos abre boca e ouvidos para ouvir e proclamar sua Palavra.
Neste domingo, porém, Jesus nos mostra de forma mais específica o tema que abriu no último domingo. É na cruz que está a nossa salvação. Na primeira leitura Isaias expõe de onde vem a nossa força: “o Senhor Deus é meu Auxiliador”. Se ao meu lado está Aquele que me vem o meu destino e também a minha força, por que deixar-me abater nos dias maus?
É natural que o ser humano em tempo de penúria seja encontrado imerso ao desânimo por não ter aquilo que deseja, porém, é sobrenatural encontrar aquele que em meio à desgraça e do sofrimento continua a louvar e agradecer a Deus, e às vezes, até mesmo, pedir que lhe seja dada a cruz, imitando a Cristo no Calvário. Jesus nos convida a tomar a nossa cruz dia após dia. E se não tem cruz, seja um Cirineu, ajudando o “Corpo de Cristo” a carregá-la.
Esta é a verdadeira fé que São Paulo diz na segunda leitura, a fé com obras. Para quem entende que as coisas deste mundo não se passam sob a nossa vontade, abraçará a cruz, dores e sofrimentos, como algo que não escolhemos, mas que recebemos bondosamente das mãos de Deus Pai, que sabe exatamente o que precisamos para ordenar nossas vidas. Viver aqui neste mundo é a arte de saber utilizar do tempo que temos nos dias bons para obras de caridade e nos dias maus usufruir das dores para nossa santificação.
Antífona de Entrada
Original em Latim: Da pacem, Dómine, sustinéntibus te, ut prophétae tui fidéles inveniántur: exáudi preces servi tui, et plebis tuae Israel. Ps. Laetátus sum in his quae dicta sunt mihi: in domum Dómini íbimus. (Sir. 36, 18; Ps. 121)
Vernáculo: Ouvi, Senhor, as preces do vosso servo e do vosso povo eleito: dai a paz àqueles que esperam em vós, para que os vossos profetas sejam verdadeiros. (Cf. MR: Eclo 36, 18) Sl. Que alegria, quando ouvi que me disseram: “Vamos à casa do Senhor!” (Cf. LH: Sl 121, 1)
O capítulo 36 de Eclesiástico é a Oração pela libertação de Israel. Neste versículo 18 utilizado na Antífona de Entrada (Introito) lembra-se uma referência de Lc 18, 1-8, onde Jesus conta a parábola da viúva que de tanto pedir justiça acaba sendo atendida. Se Deus é justo juiz, haverá de fazer valer bem depressa sua sentença àqueles que esperam Dele. A súplica nesta oração é para que Deus se recorde de sua promessa e que aplaque sua ira sobre o povo.
O servo é Israel e o povo eleito é a cidade santa de Jerusalém. Nós somos os servos, somos Israel e a Cidade Santa de Jerusalém é o céu que antecipamos com a Santa Missa. As preces são de nós, aqui da terra, e do céu, como descrito na Antífona e para que se cumpra tudo aquilo com que os profetas proclamaram, Deus nos atende com misericórdia. Desde a eternidade, Deus tem um projeto de amor e de salvação destinado a todas as criaturas, chamadas a tornar-se seu povo.
A face amorosa de Deus que se volta para a prece do povo é uma antecipação do que veremos na Liturgia da Palavra deste domingo. É a face Daquele que espera por nós e se compadece de nossas iniquidades. É a face de Deus que nos dá o remédio que precisamos para nossa salvação.
Segundo o Papa Bento XVI, o Salmo 121, que acompanha esta Antífona, é uma celebração viva e partícipe em Jerusalém, a cidade santa para a qual se dirigem, nós, os peregrinos. O verso 1 utilizado refere-se à alegria do fiel que aceitou o convite a ir “à casa do Senhor”. Porém, subir à Jerusalém não é simples como uma fórmula mágica, a forma pela qual subimos é dada por Jesus sobe carregando a Cruz de nossos pecados, e que, mostra com todas as letras no Evangelho de que forma nós chegaremos lá, se assim O seguirmos.
Cantamos esta Antífona de Entrada neste domingo alegres do convite de Deus Pai Misericordioso que nos espera atentamente. Para que os “profetas sejam verdadeiros” foi necessário que Jesus cumprisse tudo aquilo que foi dito (profetizado) por eles. Para que nós sejamos verdadeiros é preciso demostrar nossa fé com obras, carregando nossas cruzes juntamente com o sacerdote que caminha na procissão de entrada até o altar, até à Jerusalém Celeste.
Salmo Responsorial Sl 114
℟. Andarei na presença de Deus, junto a ele, na terra dos vivos.
É possível que haja mortos vivos por ai? Sim! Aqueles que vivem segundo a carne estão mortos. Seus corpos, aparentemente vivos, levam almas mortas devido ao pecado. Mas o salmista propõe que andemos na presença de Deus. Ora, isso é uma escolha, algo que não está ligado ao corpo, pois a vontade da carne leva ao precipício.
Estaremos na presença de Deus, quando praticamos o que é bom e agradável ao Senhor. Somos peregrinos junto de Deus na terra dos vivos, ou somos perdidos longe de Deus na terra dos mortos.
A fé traduzida em obras é também acompanhada da esperança e da caridade, como diz o Apóstolo: “agora permanece, portanto, estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade” (1Cor 13,13). Estas coisas estão ligadas e não podem ser separadas aqui na terra. A nossa casa é este corpo que podemos tornar o Templo do Senhor, mas que é provisório, quando enfim o deixaremos para morar no céu, se merecedores.
O salmo é um convite a perseverarmos em estado de graça, junto a Ele nesta terra, carregando nossa cruz, dada por Ele mesmo, na medida certa que precisamos para a nossa salvação.
Antífona de Ofertório
Original em latim: Texto Original:
“Sanctificávit Moyses altáre Dómino, ófferens super per illud holocáusta, et ímmolans víctimas: fecit sacrificium vespertínum in odorem suavitátis Dómino Seo, in conspéctu filiórum Israel.” (Ex 24, 4.5)
Moisés edificou um altar para o Senhor, oferecendo sobre ele holocaustos e imolando vítimas. Ofereceu o sacrifício vespertino de suave odor ao Senhor Deus, diante dos filhos de Israel. (tradução: Breno Cury)
O Capítulo 24 do Êxodo é a conclusão da aliança com o povo de Israel. A Antífona de Ofertório do Antigo Testamento traz a sombra do que seria a Nova Aliança, mas não com o sangue de cordeiros e touros, mas com Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Interessante é observar que quando Moisés transmite a palavra de Deus o povo responde dizendo que obedecerão tudo que o Senhor disser. Ou seja, aceitam toda a lei. Todo o povo sela com o Senhor a aliança através do sacrifício que é aceito e lhe é agradável (suave odor).
Cantando esta Antífona no Ofertório para oferecer o Sacrifício de Jesus e o nosso, comprometemos-nos de sermos obedientes aos mandamentos. Nesta grande “Ação de Graças” ofertamos a Deus tudo o que temos e tudo o que somos, para que Jesus ofereça ao Pai e assim santifique nossa vida, juntos com todos os que se reúnem para celebrar. Não ofereçamos coisas vagas como aqueles que não entendem o que fazem. Ofereçamos pois, nossas obras, nossos atos de fé, ou seja, a visita ao doente, o bom conselho a um amigo, a paciência do dia a dia, a alegria em meio a dor.
Busquemos ser generosos não somente com meios materiais (que são necessários para manter o templo físico), mas sobretudo com bens espirituais que serão santificados no altar junto com o pão e o vinho. “É nosso dever e salvação darmos graças”, diante da cruz transformemos nossa fé em obras de verdade e amor.
Antífona de Comunhão
Original em latim: Qui vult veníre post me, ábneget semetípsum: et tollat crucem suam, et sequátur me. (Mt. 16, 24; ℣. Ps. 33, 2. 6. 7. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21)
Vernáculo: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me, diz o Senhor. (Cf. MR: Mt 16, 24)
A antífona de comunhão resume o que devemos buscar durante toda a vida: uma perfeita conformidade com a vontade de Deus. Desde o início do pecado no mundo Deus já nos mostrou o que deveria ser a vida do ser humano. Desde quando concebidos no ventre de nossas mães já sentimos o que é a dor.
Parece meio estranho falar da dor como destino em um mundo que busca prazeres e pouco sabe do suor e cançado do agricultor ao preparar a terra para o plantio. Em nossos carros com ar condicionado mal suportamos o sol quente. O ser humano no mundo moderno é um garotinho mimado que chora constantemente para que sua mãe resolva todos os seus problemas.
Porém, a mensagem Divina, sempre atual, mostra que estamos no caminho errado. O caminho é de dor e sofrimento, é de cruz. Se em nossa vida não temos notado isso, saibamos que em algum momento será notado. Parece um final horrível, e também pareceu quando Jesus sofria o que não poderíamos aguentar no alto da Cruz.
Porém, esta não pode ser uma mensagem de tristeza, mas pelo contrário, de alegria! E olha que loucura!!! Alegria na Cruz? Isso é coisa de maluco! Sim! Porque Jesus veio ao mundo para nos salvar e a única forma que tinha era o de morrer pelos pecados que não poderíamos pagar. Ele veio e cumpriu com sua Palavra, derramando todo o seu sangue, trouxe-nos a redenção. E o que fazemos em troca?
Este é o convite da Liturgia de hoje: que tomemos a nossa cruz dia após e o sigamos, ou seja, façamos da nossa fé obras verdadeiras. É na comunhão, na Santa Eucaristia que demonstramos isso. Comungando somos guerreiros! É na comunhão que ganhamos a força que nos levanta para caminhar levando nossa cruz. Um sofrimento que é diminuído pela graça que Jesus nos dá, ajudando Ele mesmo a carregar nosso fardo, que se torna leve. “Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.” (Mt 11, 29-30)
É um mistério insondável e que poucos percebem o fato de que não seríamos capazes por nós mesmos de carregar nossa cruz sozinhos. Por esse motivo a Igreja nos propõe com esta antífona tão “pesada” aos olhos mundo o salmo 33 tão leve quanto as nuvens do céu (salmo que acompanha a antífona). O Sacramento da Comunhão é mencionado neste salmo. Aquele que experimenta a graça de Deus e a força da Eucaristia, sabe e sente o quão suave é o Senhor.
Bendigamos a Deus nesta comunhão, experimentando a suave cruz que nos é colocada a cada dia. Cruz que vem sob medida para nossa redenção. É Jesus que nos convida a caminhar, sustentar nossa fé com obras, e trazer sempre ao altar tudo aquilo que fizemos. Ele nos ampara, protege-nos e nos salva, por isso nossa confiança está no Senhor que tudo conhece.
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REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Comentários aos Salmos. São Paulo: 1997. Coleção Patrística.
CNBB, Missal Dominical. Missal da Assembleia Cristã.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Tradução do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. 8ª impressão, 2012.
CATENA AUREA. Exposição contínua sobre os evangelhos. Vol. 1: Evangelho de São Mateus. Santo Tomás de Aquino. 1ª edição – julho de 2018 – CEDET